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Adoração dos Pastores com Glória Angelical (pormenor), c.1595. Museu de Évora, proveniente do mosteiro de S. Bento de Cástris.


Na parte superior do quadro, da esquerda para a direita, os instrumentos representados incluem: um instrumento de cordas dedilhadas com caixa de ressonância em forma de pera de fundo aparentemente arredondado; um instrumento de sopro de corpo estreito; (ao centro) um instrumento de corda friccionada; uma harpa; e (na extrema direita) um outro instrumento de cordas, possivelmente friccionada. O último instrumento foi mutilado devido aos cantos arredondados do quadro. Os séculos XV e XVI viram grandes mudanças na forma e nas práticas dos instrumentos musicais. Este período viu ainda a emergência de consorts de instrumentos, isto é, grupos de instrumentos de diversos tamanhos da mesma família, soando as vozes separadamente. O mesmo aplica-se para os broken consorts, isto é, grupos de diferentes famílias. O caso desta pintura é típico de exemplos iconográficos de instrumentos musicais, que carecem de realismo organológico, detalhe e precisão - os instrumentos não descrevem representações fiéis de instrumentos históricos, nem representam a prática musical.

Aerofone de palheta dupla

Num primeiro olhar, o segundo instrumento a partir da esquerda, com um formato aparentemente curvo, parece ser um corneto, com os orifícios para os dedos, com uma campânula ligeiramente mais larga, e tocado a partir do canto da boca. Um olhar mais atento, revela a possibilidade de uma palheta dupla, como na charamela, em vez de um bocal. Uma outra possível identificação, assumindo que o formato curvo é resultado da perspetiva, é a chirimia Espanhola ou dulzaina, da família da charamela.

O corneto é feito de geralmente de uma madeira folhosa, curvo, constituído por duas metades que são depois unidas longitudinalmente, geralmente coberto com couro ou pergaminho. Também existem exemplares feitos de marfim. A secção transversal exterior dos cornetos é geralmente octogonal. Têm cerca de 60 cms de comprimento, seis orifícios para os dedos, em grupos de três, e um sétimo no verso para o polegar. Tem um bocal semiesférico, e algumas fontes iconográficas mostram-no a ser colocado no canto da boca. O corneto mudo é direito, e o perfil exterior é redondo.

A palavra corneto (de corno) leva-nos a pensar no corno de um animal, e esta pode bem ter sido a origem deste instrumento. O uso do corneto passou a ser mais evidente durante o Século XI e no início do Século XII. Manteve-se em uso até ao início do século XVIII. A sua forma curva é inicialmente vista no século XV, quando o uso do corneto era mais comum. O Corneto foi usado em música litúrgica, com o trombone e o órgão, tocando no mesmo registo que as vozes, acompanhando-as, dobrando-as, ou até substituindo as mesmas.

A charamela, por sua vez, é um instrumento de sopro de palheta dupla. É geralmente feito a partir de uma peça inteira de madeira, com um pavilhão cónico. Tem sete orifícios para os dedos. É tocado com uma pirueta; um pequeno pavilhão torneado em Madeira, com o topo plano ou concavo, e um orifício, por onde passa um tubo fino de metal que segura a palheta. Os lábios colocam-se contra o topo da pirueta, enquanto a palheta vibra dentro da boca. Este instrumento teve a sua origem no mundo Islâmico e foi introduzido na Europa depois do século IX. É referenciado em manuscritos do século XII, e as suas imagens podem ser vistas nas Cantigas de Santa Maria. Outras versões da Charamela, incluem a Dulzaina Espanhola e a gralla da Catalunha, ambos semelhantes à charamela, mas mais pequenos e desenvolvidos num contexto rural. Um instrumento semelhante, a chirimia, feito antes de 1888 e proveniente do méxico, pode ser encontrado na coleção dos Musées Royaux d'Art et d'Histoire in Belgium (inv. 0830).

Bibliography:

Anthony C. Baines and Bruce Dickey. "Cornett." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015,http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/06516.

Anthony C. Baines and Martin Kirnbauer. "Shawm." Grove Music Online. Oxford Music Online.Oxford University Press, accessed February 13, 2015,http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/43658.

MIMO – Musical Instruments Online http://www.mimo-international.com/MIMO/

Fiddle, viola d’arco

A palavra fiddle é aqui usada tendo em conta que este é um cordofone friccionado, e que a data da pintura (ca. 1590) corresponde a um período em que instrumentos de definição pouco clara coexistiam com outros mais desenvolvidos das famílias da viola da gamba e do violino. Além das possíveis variantes regionais, há também que ter em conta que esta pintura não é uma representação fiel da realidade.

Devido a uma alteração da forma da pintura, apenas o corpo deste instrumento é visível. Tem pelo menos 5 cordas, presas ao tampo harmónico e que passam sobre um cavalete, tal como no alaúde no lado esquerdo. Este instrumento tem um contorno curvilíneo e uma abertura sonora, redonda, ao centro - características normalmente associadas a cordofones dedilhados, como a viola de mão ou a guitarra. Contudo, nesta pintura o instrumento é tocado com um arco. O estado de conservação da superfície da pintura não deixa ver claramente, mas existe um elemento em preto (ou castanho escuro), cuja forma se assemelha ao arco da viola maior, no centro da pintura.

Viola d’arco era um nome dado à viola de mão, só que neste caso tocada com um arco. Viola d’arco, ou o termo vihuela d’arco é um termo que se podia aplicar a qualquer instrumento de corda friccionada por uma arco.

Além do mencionado, e o facto deste instrumento ser friccionado, tal como algumas características que o levam-nos também a pensar que poderá ser uma representação bastante limitada da viola de Valência.

Inicialmente era feita de uma peça única de Madeira, evoluiu depois para um instrumento composto de diferentes partes. A sua construção, sempre contou com um fundo e lados de uma madeira folhosa, mais resistente, e de um topo feito de uma resinosa, certamente abeto. No princípio eram utilizadas cordas de tripa e não eram usados trastos. Caso esta pintura representasse a realidade, a escala não deveria ser levantada, pois as cordas não são levantadas suficientemente pelo cavalete, de modo a acomodar a distância entre o tampo e a escala. Neste caso, as cinco cordas seriam esperadas neste período, tal como seria uma distinta separação entre o corpo e o braço.

Através de fontes iconográficas, sabe-se que o fiddle tocado com arco é conhecido na europa, a partir do século XIII. Certamente não seria conhecido neste continente antes do século X ou XI, altura em que o arco é introduzido no mundo ocidental. O Fiddle era utilizado tanto no contexto litúrgico como não-litúrgico, para acompanhar danças ou a voz. Podia ser utilizado a solo, substituindo, acompanhando ou dobrando as vozes, por vezes mantendo um intervalo constante com estas.

Bibliography:

Mary Remnant. "Fiddle." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015, http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/09596.

Harpa

A harpa é o instrumento mais fácil de definir nesta pintura, e no entanto, o que apresenta maior erro técnico.

A harpa, de caixilho, consiste numa caixa de ressonância, consola e pilar. As cordas correm da consola, onde são enroladas à volta das respetivas cravelhas, para a caixa de ressonância, à qual são presas através de botões. Neste caso, as cordas, nove ao todo, não estão em contacto com a caixa de ressonância e correm paralelas ao pilar, tornando este instrumento tecnicamente errado.

A caixa de ressonância poderia ser feita ainda neste período, de uma peça inteira de madeira folhosa, entalhada, coberta com um tampo harmónico, de madeira resinosa, possivelmente decorado com aberturas acústicas entalhadas na própria madeira. Neste caso a caixa de ressonância è mais profunda do que o esperado para este período. O pilar, arqueado, prolonga-se verticalmente, aumentado o espaço para acomodar as cordas compridas das notas mais graves. À medida que a harpa se vai desenvolvendo, a caixa de ressonância também se prolonga na parte de baixo, e o pilar tende a ser menos arqueado.

Durante o Século XV as harpas deixam de ter a consola presa à extremidade superior da caixa de ressonância, em vez disso, existe uma espécie de ombro a fazer a união, este elemento é visível nesta pintura. Ainda que não sejam visíveis quaisquer botões sobre o tampo harmónico, nesta altura poderiam ser utilizados uns botões em forma de L. Pequenas peças de Madeira que faziam um ângulo quase reto. A extremidade inferior era redonda e prendia as cordas ao tampo harmónico, enquanto a superior era saliente e formava um angulo. As cordas, ao vibrar, tocavam esta extremidade, produzindo um buzz nasalado. Tendo em conta os exemplares que sobreviveram até aos nossos dias, a harpa deste período teria cerca de 100 cm e uma média de 26 cordas.

Um aspeto curioso na imagem (apesar de ser questionável se assim o seria originalmente), é a forma como a mão esquerda do anjo prende a corda, como se estivesse a utilizar o dedo polegar para reduzir o comprimento vibrante da corda e subir o tom da nota. Técnica que veio a ser substituída por pequenas alavancas móveis, inicialmente manualmente e mais tarde por pedais.

A harpa neste periodo era muito tocada no contexto religioso, especialmente em conjunto com o órgão.

Bibliography:

Sue Carole DeVale, et al. "Harp." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015,http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/45738.

MIMO – Musical Instrument Museum Online

Cordofone dedilhado: Alaúde?

O instrumento de corda dedilhada, à esquerda, tem uma caixa periforme, fundo arredondado, uma abertura sonora ou rosácea redonda sobre um tampo liso, 5 cordas presas ao cavalete e apresenta trastos. Estas são características do alaúde Europeu, cuja família inclui outros instrumentos semelhantes. O instrumento representado nesta pintura tem semelhanças com a um instrumento que em Espanha foi inicialmente chamado de guitarra* (em Inglês, Gittern), mas é um outro instrumento relacionado com o alaúde. A diferença mais evidente é a falta de divisão clara entre o braço e o corpo do instrumento, característica da guitarra* (Gittern). Ao contrário do alaúde este instrumento representado na pintura, parece ter uma cabeça foliforme, com cravelhas aparentemente inseridas pela frente. Este tipo de estrutura é mais comum no cistre, mas, neste caso, não existem outras características que reforcem esta possibilidade de se tratar deste instrumento.

O alaúde deriva do oud, um instrumento de origem Árabe, introduzido na Europa pelos Mouros, entre os séculos VIII e XV. A história do alaúde até ao século XVI tem sido estudada através de fontes iconográficas, que indicam um instrumento de cordas duplas, inicialmente com 4 ordens, número que aumentou depois para 5 durante o Século XIV. As cordas eram feitas de tripa. Os alaúdes eram feitos em diversos tamanhos e afinações. Há pouca informação sobre a utilização do alaúde na Peninsula Ibérica após a expulsão dos Mouros no fim do Século XV, mas certamente continuaria a ser utilizado, apenas não documentado.

A guitarra* (Gittern) foi igualmente introduzida na Europa pelos Mouros, durante o mesmo período do alaúde. Este instrumento assemelha-se bastante ao alaúde. A cabeça e o braço e eram geralmente feitos a partir de uma única peça em Madeira. A cabeça faz um ângulo de 30 a 90 graus com o braço. No caso desta imagem, é um ângulo de pequena amplitude. A cabeça poderia ter a forma de um semicírculo, ou terminar com a forma de uma cabeça humana ou de um animal.

Bibliography:

Klaus Wachsmann, et al. "Lute." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015,http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/40074.

James Tyler. "Mandore." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015,http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/17611.

Laurence Wright. "Gittern." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015,http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/11223.

MIMO – Musical Instruments Museums Online - http://www.mimo-international.com/MIMO/

Viola “da Gamba”

De acordo com Jan Woodfield (“Viol” Grove Music Online, 2015) a viola “da gamba” aparece representada em fontes iconográficas de Valencia, no final do século XV. No Início do século XVI, a viola era já representada em grupos de anjos. A viola típica espanhola tinha “um braço longo, trastos, cravelhas laterais, roseta central, ilhargas finas, e um tamanho de tenor, com uma cintura bem demarcada. Tal como a maioria das outras violas de Valência deste mesmo período, esta não apresenta uma escala levantada, e, em vez de um cavalete, as cordas passam sobre uma faixa direita de madeira colada ao tampo. Outras pinturas mostram as cordas mesmo presas a essa mesma faixa de madeira, como nos instrumentos de corda pinçada.” Com a exceção dos trastes, que não se observam, e outros detalhes menos claros, esta descrição em muito se assemelha ao instrumento representado nesta pintura.

Poderíamos talvez utilizar aqui o nome viola da gamba, se considerarmos o uso deste termo, tal como apareceu no século XVI, para diferenciar da viola da braccio. Este termo era inicialmente utilizado de um modo mais generalista; mais tarde foi adotado especificamente para o baixo da família deste tipo de viola. A sua forma, que surgiu no século XVI e que se definiu durante os séculos XVII e XVIII, mostra diferenças consideráveis, como: o comprimento do braço, a escala elevada, os lados mais largos, a cintura em forma de C, os ombros mais inclinados e as típicas aberturas sonoras em forma de C ou f. A viola tem uma construção leve. O tampo, ligeiramente abaulado, é feito de uma madeira resinosa, comumente Abeto. Os lados e o fundo são geralmente de uma madeira folhosa, mais resistente. O fundo é liso, com exceção da parte superior do mesmo que forma um ângulo e uma inclinação na direção do braço. As cordas, geralmente 6, são presas ao estandarte e passam sobre o cavalete que é curvo.

Bibliography:

Ian Woodfield and Lucy Robinson. "Viol." Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, accessed February 13, 2015

http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/29435.